A controvérsia sobre o uso de corticosteróides na sepse data da década de 30, quando uma série de relatos clínicos e histológicos mostrou que a córtex adrenal era importante na resposta a uma série de insultos infecciosos e não-infecciosos. Em 1936, Seyle descreveu a reação de alarme como uma resposta inicial, não específica aos mecanismos de defesa do organismo, e que estava associada a um aumento da secreção da hipófise anterior e da córtex adrenal. Mais tarde, esse mesmo autor reconheceu que havia uma grande homogeneidade entre a resposta aguda e crônica ao estresse, propondo, então, a síndrome geral de adaptação. Dessa forma, Seyle argumentou que, com a continuação do estímulo nocivo, haveria uma exaustão do sistema endócrino, o que levaria as manifestações não-específicas da doença crônica.
Entre 1930 e 1950, vários estudos utilizando extratos de adrenais em pacientes com os mais diversos quadros infecciosos (sinusite, febre tifóide, pneumonia) foram publicados, com resultados encorajadores, mostrando redução do colapso circulatório e menor tempo de doença.
Com a descoberta da cortisona em 1940, o tratamento com ACTH/cortisona foi considerado “o avanço mais notável na área das doenças infecciosas”. Por essa época, entretanto, foi introduzida a produção em grande escala da penicilina, que transformou a história natural das doenças bacterianas e tornou obsoleto o uso de corticóides em pacientes sem infecções graves.
A partir dos anos 50, com o uso indiscriminado de cortisona para o tratamento dos quadros infecciosos , começaram a ser reconhecidas as principais complicações associadas ao seu uso, sendo que a principal delas se referia ao efeito imunossupressor da corticoterapia, temor esse que foi reforçado por experimentos em cobaias. Em 1957, duas revisões feitas baseadas nos estudos publicados até então concordaram que não havia evidência para o tratamento de infecções leves com corticóide e que os dados não eram conclusivos para o tratamento do choque com corticoterapia sem ser devido a meningococcemia ou insuficiência adrenal.
Nos anos 60, alguns estudos experimentais conduzidos por Melby contestaram o paradigma da insuficiência adrenal na sepse – eles mostraram que, em pacientes com choque séptico que não sobrevivem, os níveis séricos de cortisol eram mais elevados do que os que sobreviviam e não havia resposta ao ACTH. Na década de 60, também foram iniciados os estudos que mostraram o papel da inflamação no choque séptico. Neste contexto, o uso de doses “supra-fisiológicas” de corticóide passou a ser defendido para modular a resposta inflamatória.
A partir dos anos 70, estudos publicados por Motsay, Lillehei e Schumer utilizando corticosteróides na dose de 30 mg/kg de metilprednisolona ou 3mg/kg de dexametasona mostraram redução do tempo de choque e da mortalidade. Apesar de sujeito a várias críticas, esses estudos formaram a base da prática do uso de corticóides nos anos subseqüentes. Estes ensaios foram posteriormente contestados pelos trabalhos de Sprung, Bone e o Veterans Administration Trial, que não apenas não mostraram benefício como apresentaram aumento da mortalidade. Por conta desses trabalhos, o uso de corticosteróides voltou novamente a cair em desgraça.
No final dos anos 90, houve um novo interesse no uso dos corticosteróides em baixa dose (chamadas “fisiológicas”), principalmente no contexto de insuficiência adrenal. Dois estudos, de Briegel e Boullaert, foram promissores ao relatar maior reversão do choque e uma tendência em melhora da disfunção orgânica. Entretanto, ambos foram estudos pequenos, sem poder suficiente para detectar uma diferença na mortalidade.
O estudo de Annane, publicado em 2002, foi um estudo multicêntrico que mostrou diminuição de mortalidade com o uso de hidrocortisona em dose baixa associada a fludrocortisona nos pacientes caracterizados como portadores de insuficiência adrenal relativa. Este estudo promoveu a reabilitação da corticoterapia no choque séptico; entretanto, várias perguntas permaneceram sem resposta adequada: Qual a melhor definição de insuficiência adrenal relativa em pacientes com choque séptico? Qual o malefício associado ao uso de corticóide em pacientes sem insuficiência adrenal? Por quanto tempo deve ser feita a corticoterapia, qual é a melhor dose e qual o regime de descalonamento? Por conta de tantas dúvidas, programou-se o estudo CORTICUS, um grande ensaio multicêntrico, randomizado, que seria definitivo para esclarecer os grandes enigmas da corticoterapia.
Infelizmente, o CORTICUS foi interrompido por baixo recrutamento de pacientes. Várias questões como, por exemplo, a diferença da definição de choque séptico entre o mesmo e o estudo do Annane, fazem com que o CORTICUS ainda não seja o ensaio que veio nos ajudar a responder todas as questões do corticóide no paciente séptico. Entretanto, outro estudo multicêntrico, desta vez de resultado negativo, mais uma vez desviou a balança contra a corticoterapia. Entre tantas idas e vindas, ainda precisamos aprender a estratificar melhor os pacientes e aprender qual o subgrupo que mais se beneficiaria da imunomodulação oferecida pelos corticóides.
Publicado por: Cássia Righy
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