UTI - Cuidado humanizado do paciente crítico.

domingo, maio 01, 2011

Meta-análise sobre a albumina em pacientes sépticos: dúvida da estagiária

The role of albumin as a resuscitation fluid for patients with sepsis: A systematic review and meta-analysis. Delaney AP et al. Crit Care Med 2011; 39:386 –391.

Prezada estagiária,

Antes de dar minha opinião sobre o artigo, gostaria de parabenizá-la pela iniciativa de trazer à discussão assunto tão relevante à nossa prática de “beira de leito” nas UTIs. O uso de albumina é um campo de debate infindável entre pesquisadores, profissionais de assistência, convênios e hospitais; por isso mesmo acho oportuno uma discussão em nossa lista eletrônica. Além do aspecto técnico que envolve a questão, vejo também a “querela da albumina” como emblemática de como as práticas adotadas mudam à medida que a observação e o poder de análise da comunidade científica tornam-se mais apurados. Vou agora te explicar porque penso assim.
A hipoalbuminemia é um marcador de gravidade e de mau prognóstico. Esse fato, associado à razoabilidade do argumento fisiológico (aquele mesmo que aprendemos no Guyton) forneceram a base para seu uso não-controlado até a década de 90. Só que albumina, minha cara, é caro. Em 1996, uma meta-análise publicada pela Cochrane Collaboration colocou sub-judice o seu uso para correção de hipoalbuminemia, ao associá-la a maior mortalidade intra-hospitalar. Esse argumento, adequado para o conhecimento da época, foi a base para órgãos públicos, fontes pagadoras e hospitais definirem diretrizes restritivas para seu uso.
Embora eu seja liberal e direitista, em Medicina sou da opinião que devemos desconfiar de tudo que é muito liberal. Sim, porque prescrições muito “liberais” têm por pressuposto uma homogeneidade que não existe entre os pacientes que tratamos. Em contrapartida, restrições impostas sobretudo por agências governamentais são de uma inércia ímpar quando se trata de atualizações periódicas. As discussões com os auditores de convênio – nem sempre experimentados naquilo que auditam - são assimétricas. Resta ao especialista conformar-se às limitação de uso da medicação julgada apropriada naquele paciente específico que não se encaixa como paciente médio do estudo (pois agrupar pacientes em grupo, uma necessidade para a avaliação de grandes números, tem como desvantagem aplainar diferenças individuais).
Abramos um parêntese. Observe agora quanta coisa compactada existe na palavrinha “uso”, quando falamos “Ei! O uso da albumina mata !”. Uma medicação pode ser usada de diferentes modos: para tipos diferentes de pacientes, em vários níveis de gravidade, com diferentes disfunções orgânica, em fases diferentes de doença (ressuscitação vs. recuperação), de modo regular ou em bolus, até se atingir uma dose cumulativa ou não, ou ainda pautado em metas pré-determinadas (Eu, por exemplo, não consigo tolerar a idéia de alguém com a albumina sérica de 0,9 md/dL...Esse sujeito para mim precisa muito mais que outro com albumina de 2,3 md/dL). Na década de 90, o modo de se fazer meta-análises não atentava para essa enormidade de elementos; tanto que esse estudo de 1996 comparou pacientes pediátricos, com queimados, com sépticos; pacientes de enfermaria com pacientes de terapia intensiva; albumina a 4% com albumina a 20% (a que nós fazemos no Brasil); pacientes na fase de ressuscitação com aqueles que nunca apresentaram instabilidade hemodinâmica, e por aí vai... E de lá para cá os estudo na área vêm atentando mais para a seleção de grupos, para o recorte mais cuidadoso da janela de realidade a ser observada. Não podemos mais perguntar somente se o uso da albumina está associado a desfecho negativo. Temos que perguntar: em qual paciente, em que fase, em qual situação clínica, em que dose, em que regime de administração, buscando qual end-point clínico, e analisando quais desfechos.
O estudo em questão é uma meta-análise que procura especificar ainda mais, recortando para observação o grupo de pacientes séptico na fase de ressuscitação. Trata-se de uma análise da análise ou de um estudo crítico do que já foi estudado pelo método científico a respeito do assunto (é isso a que o prefixo grego meta se refere: à posterioridade, àquilo que vem depois ou em seguida). No estudo em questão a intenção foi avaliar se o uso de soluções albuminadas na resuscitação de pacientes sépticos, em comparação com o uso de fluidos não-albuminados, está associado à redução da mortalidade geral. O grupo de pesquisadores foi liderado por Simon Finfer, um do pesquisadores australianos responsáveis pelo estudo SAFE, em 2004 (n . 6.000 pacientes) multicêntrico, em que não se observou maior mortalidade com o uso de albumina em pacientes graves. O procedimento de seleção gerou 17 estudos randomizados prospectivos e um total de 1977 pacientes, dos quais 1729 eram adultos (87%). Dos 17 estudos selecionados, 8 avaliavam pacientes exclusivamente sépticos, enquanto os 9 restantes avaliavam uma amostra maior e mais variada, na qual os pacientes sépticos eram apenas uma fração. Os fluidos de reposição contra os quais as soluções albuminadas foram comparadas , ou melhor, de ressuscitação incluíam amidos a 10%, solução salina, ringer lactato e HES 6%. Outra coisa importante a ser considerada é o fato de nessa meta análise, procurou-se selecionar aqueles estudos com intenção de uso de albumina para fins de ressuscitação hemodinâmica, em que foram acompanhados os parâmetros de Índice cardíaco, impressão clínica.
O resultado da meta análise apontou, na amostra reunida, redução na mortalidade (OR = 0.82; IC 95% = 0.67–1.0; p=0 .047). O OR estimado de morte no grupo de estudos que utilizaram albumina concentrada foi 1.08 (IC 95% = 0.7–1.68; p=0 .73), e para estudos com soluções albuminadas diluídas de 0.76 (IC 95% 0.61– 0.95, p=0 .02). O estudo tem lá suas críticas: volume médio de albumina teve ampla margem de variação, as soluções do grupo controle e mesmo as soluções albuminadas divergiram bastante de estudo a estudo, e mesmo os parâmetros clínicos de ressuscitação chegaram por vezes a se basear na impressão clínica, enquanto outros na medida da PCAP.
Apesar disso, independente do que se tenha encontrado, o estudo dá mais um passo à frente no sentido de trabalhar um recorte mais preciso, um grupo melhor caracterizado de pacientes. Possivelmente isso permitirá afirmações mais precisas e seguras para a nossa prática individual mas também a eleboração de diretrizes fundadas no melhor conhecimento disponível para a época.
E você, minha cara estagiária, o que vc acha? Enquanto você pensa, deixo o meu abraço.

Fonte: Haroldo Falcão – Apontamentos em Terapia Intensiva

Porque não internar paciente idosos em UTI?

Nathanson BH, Higgins TL, Brennan MJ, Kramer AA, Stark M, Teres D. "Do Elderly Patients Fare Well in the ICU?" Chest 2011;139(4):825-31.

Sempre que pacientes idosos são internados em uma UTI sugre a dúvida se vale a pena ou acontece alguma forma de tratamento fútil. A idade avançada sempre entra em análises de sobrevida de grandes estudos como fator independente para o prognóstico, embora seja menos importante que outros fatores, como gravidade da doença aguda, delirium, sepse, entre outros fatores. Mas até que ponto a idade pode influenciar a mortalidade?
Neste estudo, Nathanson e colaboradores aproveitaram a grande base de dados do projeto IMPACT, que reuniu dados de vários hospitais e UTIs americanas entre 2001 e 2004. Eles aproveitaram para revisitar o estudo do escore MPM (Mortality Probability Model) III, no qual apenas 14% dos pacientes apresentaram a idade como fator de risco para mortalidade hospitalar.
Pacientes submetidos a cirurgia eletiva e sem fator de risco no MPM III apresentaram mortalidade muito baixa (2%), enquanto que aqueles com pelo menos 1 fator de risco tiveram 14% de mortalidade. Este fato alertou os autores para que talvez a idade não fosse tão impactante quantos outros fatores, como as comorbidades.
O 1o resultado interessante é que o histograma de idade do grupo total (N=124.885 de 135 UTIs) não formou uma curva de normalidade, de modo que o grupo total de pacientes já pertencia a idades mais elevadas. O menor aumento relativo de mortes ocorreu em pacientes clínicos acima de 90 anos; mas a mortalidade de nonagenários com pelo menos 1 comorbidade quase dobrou (de 19 para 36%). Certos grupos de pacientes têm mortalidade pequena, e de certo modo suas mortalidades se equivaleram. Pacientes com menos de 40 anos e 1 comorbidade apresentaram desfecho muito semelhante a idosos sem comorbidades. Outra observação foi que pacientes internados apenas para monitoração em pós-operatório apresentaram mortalidade semelhante em todos as faixas etárias. Quando se analisa a curva de mortalidade dos grupos de doentes clínicos e cirúrgicos de acordo com a idade (Figura 3), conseguimos observar bem que pacientes até 69 anos apresentaram desfecho semelhante a pacientes mais jovens, mostrando que a pontuação de comorbidades ou alterações fisiológicas (como hipotensão) influenciam mais no prognóstico.
Existe ainda a limitação que o MPM não considera algumas condições na sua pontuação, como demência ou permanência em casa de repouso, e isto não foi analisado separadamente neste estudo. Por isto, é até possível que a mortalidade de idosos sem o subgrupo de doenças específicas (principalmente demência) seja até menor.
A conclusão dos autores foi esta: "Advanced age alone does not preclude successful surgical and ICU interventions, although the presence of serious comorbidities decreases the likelihood of survival to discharge for all age groups".

Fonte: André Japiassú – Artigos Comentados